Restaurando a funcionalidade dos ecossistemas florestais: O papel das interações mutualísticas animais-plantas

A funcionalidade dos ecossistemas é uma noção que tem em conta o papel que cada espécie desempenha no ambiente, dando especial ênfase às interações entre os seus componentes biológicos (do ponto de vista qualitativo e quantitativo). 

Portugal alberga uma porção significativa da diversidade biológica europeia. Tanto nas ilhas oceânicas como na parte continental do país, ocorrem diversas espécies endémicas ou quase endémicas, além de outras que são pouco comuns na Península Ibérica. 2 

Nas últimas décadas os ecossistemas florestais e os matos (maquias estacionais e perenes) experimentaram uma notável regeneração espontânea, fruto, em grande parte, do êxodo rural e do abandono de terras agrícolas. Diversas fagosilvas (florestas com estratos arbóreos dominados por uma ou mais espécies pertencentes à família Fagaceae) e florestas ripícolas (que crescem junto aos rios, ribeiras e lagos naturais) recuperaram antigas áreas perdidas pela ação da desflorestação. No entanto, neste processo de regeneração espontâneo, muitos destes ecossistemas perderam parte das suas complexidades e funcionalidades. Isso ocorreu devido à depauperação ou, mesmo, ao desaparecimento das populações de algumas espécies de plantas, fungos e animais. 

Neste contexto, as espécies de plantas que frutificam principalmente no outono ganharam “peso” em detrimento das espécies que frutificam em outras épocas. Por outro lado, a depauperação das comunidades vegetais autóctones tem levado diversas espécies de animais (insetos, aves, mamíferos) a alimentar-se de espécies de plantas exóticas (muitas delas potencialmente invasoras) nas cidades, vilas e quintas. Isso também tem levado à dispersão de sementes de espécies não nativas nas áreas de florestas próximas, muitas das quais germinam e colonizam com êxito os ecossistemas naturais. Por outro lado, um grande número de insetos potencialmente polinizadores visita frequentemente flores de plantas exóticas em detrimento das plantas nativas de cada lugar ou região. 

Portanto, os procedimentos de restauração ambiental passam necessariamente por enriquecer as comunidades vegetais e animais e as redes de interações mutualísticas. Isso consegue-se reforçando as populações de plantas que localmente ou regionalmente são já muito escassas ou se encontram em situação vestigial. Desta forma, é possível aumentar o espectro de oferta de flores e frutos carnudos na primavera e início do verão, tal como no inverno. 

Quanto maior é a riqueza e a abundância de espécies autóctones de plantas, fungos e animais numa área, maiores são as possibilidades de ocorrência de interações ecológicas, o que incrementa a funcionalidade dos ecossistemas. 

Ribeira de Ludares (Vale do Gavião).
Ribeira de Ludares (Vale do Gavião).

Neste sentido, destacam-se as espécies nativas de heras (Hedera spp.), pelo facto de oferecerem grandes quantidades de frutos maduros a diversas aves frugívoras no inverno e início da primavera. Além das heras, há outras opções para enriquecer as comunidades vegetais e as redes de interações mutualísticas insetos-plantas e aves-plantas (vide anexo I). 

Não importa apenas a diversidade biológica. A bioabundância (o número de exemplares de cada espécie numa determinada área) também é essencial para manter a funcionalidade dos ecossistemas. Quanto maior a abundância de organismos vivos, maior também o número de potenciais interações entre eles nos sistemas ecológicos (interações mutualísticas, parasitárias, comensais, de predação, etc.). 

As populações de animais e plantas flutuam naturalmente, de acordo com as condições ambientais de cada lugar ou época. Há períodos em que determinadas espécies se multiplicam mais, enquanto que noutros ocorrem frequentemente descensos nas populações. No entanto, os descensos populacionais de espécies muito prolongados podem ser indicativos de que os ecossistemas estão a sofrer impactos que geram stress. 4 

Nas últimas décadas têm sido observados descensos acentuados nas populações de diversas espécies de insetos polinizadores e aves, entre outros grupos, em várias regiões do mundo, produzidos por mudanças no tipo de agricultura que se desenvolve (ex.: intensificação da agricultura, uso continuado de pesticidas). De facto, além de uma crise de biodiversidade, existe também uma crise de bioabundância, sendo que os fatores que as produzem precisam de ser revertidos urgentemente. 

No centro-norte de Portugal continental: 

Cerejeira-brava (Prunus avium), com frutificação no final da primavera e início do verão, favorecendo as populações migratórias de papa-figos (Oriolus oriolus). 

Azevinho (Ilex aquifolium), loureiro (Laurus nobilis) e medronheiro (Arbutus unedo) com frutificação no final do outono e começo do inverno. Hera-atlântica (Hedera hibernica) e gilbardeira (Ruscus aculeatus), que podem chegar a oferecer frutos maduros até o final do inverno e início da primavera – favorecimento das populações migratórias de tordos (Turdus philomelos, T. viscivorus, T. iliacus), entre outras espécies de aves. 

No centro-norte de Portugal continental: 

Medronheiro (Arbutus unedo), gilbardeira (Ruscus aculeatus), trovisco (Daphne gnidium) e hera-ibérica (para alguns autores Hedera iberica e para outros Hedera maderensis subsp. iberica). 

Evidentemente, as fenologias de floração e frutificação variam de região para região, em função da latitude, da altitude e do clima, entre outros fatores. Por outro lado, numa mesma região podem ocorrer variações significativas nos padrões destas fenologias. Deste modo, numa mesma espécie, exemplares que crescem em áreas abertas ou semiabertas, ao receberem mais luz e sol direto, podem florescer e frutificar antes de exemplares que crescem no sub-bosque em condições de luz mais escassas. 

Nas áreas naturais deve-se evitar plantar ou dispersar sementes de plantas híbridas ou de cultivares utilizados em jardinagem, muito frequentes no caso do azevinho, da gilbardeira e das heras. Em caso de dúvida, consultar o site: https://flora-on.pt 


Juan Carlos Guix

© PROJETO NEOPANGEA / CICLOS

Série Laurus, nº 4. Novembro de 2024 

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