No princípio do século XX, os vales e a maioria das encostas montanhosas da Península Ibérica estavam extensivamente cultivados. Grande parte deste território agrícola encontrava-se densamente ocupado por populações geralmente pobres e com escassas perspectivas de ascensão socioeconómica. As paisagens rurais, repletas de cultivos e pastagens, eram então bastante simplificadas e os ecossistemas estavam depauperados devido, sobretudo, à perda de habitats. Dominavam então os espaços abertos em detrimento das grandes extensões de florestas que um dia tinham existido. Com exceção de alguns cotos de caça e das escassas reservas naturais protegidas, apenas existiam remanescentes de florestas nativas nas encostas montanhosas mais escarpadas e nos vales mais estreitos e inacessíveis aos humanos.
Neste contexto, as paisagens rurais estavam salpicadas de bosquetes nas herdades, tapadas e quintas. Estes espaços privados frequentemente continham pequenas amostras de vegetação nativa juntamente com jardins e campos. Nos bosquetes dominavam os sobreiros (Quercus suber), as azinheiras (Quercus rotundifolia) e os carvalhos. Muitos dos jardins também continham espécies lenhosas autóctones, como os medronheiros (Arbutus unedo), os pilriteiros (Crataegus monogyna) e os folhados (Viburnum tinus), entre outras. Por outro lado, os campos de cultivo estavam salpicados de cerejeiras-bravas (Prunus avium), macieiras e uma infinidade de plantas herbáceas espontâneas nativas. Estas ilhas de vegetação atraiam numerosas espécies de aves (gaios, tordos, melros, piscos, etc.), morcegos e mamíferos terrestres de pequeno e médio portes, além de uma miríade de insetos polinizadores. Em resumo eram verdadeiras microreservas de flora e fauna.
A partir das décadas de 1950 e 1960, uma porção significativa da população rural migrou para os centros urbanos e zonas de produção industrial, iniciando-se assim um importante êxodo no campo. O progressivo abandono das terras agrícolas iniciou um processo de sucessão ecológica dominado pelos pinheiros e outras espécies lenhosas pioneiras. Logo surgiram pequenos bosques de azinheiras e carvalhos jovens que mais tarde dariam lugar às atuais fagosilvas.
As herdades, tapadas e quintas tiveram um papel primordial neste processo natural de regeneração das matas nativas. Por meio das respectivas faunas locais, quetransportavam pólen e sementes de muitas espécies autóctones de plantas para fora destas áreas privadas, exportaram também grande parte da diversidade biológica que hoje em dia podemos contemplar nas fagosilvas e outros tipos florestais.
Esta ideia de “ilhas de vegetação nativa que exportam biodiversidade” deve ser preservada e melhorada, tendo-se em conta, para isso, critérios científicos e de conservação. É preciso criar novas ilhas de biodiversidade, especialmente nas regiões onde ela foi mais depauperada. Para tal, é importante que as restaurações ecológicas sejam feitas com espécies autóctones de cada lugar ou região e escolher as espécies mais resistentes e resilientes aos efeitos das mudanças climáticas. Especial atenção deve ser dada às espécies de plantas e animais (ex.: aves, insetos polinizadores) mais escassos em cada região e cujas populações se encontram em processo de regressão, assim como ao controle de espécies exóticas invasoras ou potencialmente invasoras.
J.C. Guix & Isabel Alves.
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Série Laurus, nº 1. Outubro de 2023